Todo mundo tem sonhos. Alguns não se realizam pela falta de oportunidade, quando tropeçamos nas linhas da rede que foi jogada muito antes do nosso nascimento. Não ter o nome certo, o país certo, o gênero certo, a cor certa… Coisas impossíveis de serem mudadas e decididas pelo mero acaso, itens arbitrários de uma lista que busca barrar determinados grupos.
Outros selam seu destino antes mesmo de tentar, alimentados pelo medo de falhar à vista de todos, e deixam seus sonhos formarem uma coleção de souvenires empoeirados - bonitos e tristes já que não foram feitos para virar só decoração, para serem jogados no lixo quando estivermos a sete palmos na terra.
É um medo compreensível, um medo real. Foi assim que todos fomos criados, ensinados que falhar é sinônimo de fraqueza, algo digno de desdém e desprezo. Só que ele perde completamente o sentido quando se percebe que é isso que significa viver. A vida nada mais é do que uma coleção de falhas monumentais. Não dá pra sair ileso daqui.
Não tenho vergonha de sujar minhas mãos. Mãos sujas são sinal de trabalho simples, duro e honesto, coisa que sempre acreditei ser motivo de orgulho e não de vergonha. Só quem revira a terra, colhe o fruto. Mas para quem vê de fora, a tendência é só ver o fruto.
No livro Nós da Tamara Klink, ela conta como todos, até gente que não gostava muito dela antes, veio parabeniza-la quando conseguiu alcançar uma das suas metas de cruzar o oceano sozinha em um veleiro em que (quase) ninguém antes acreditava. Ninguém viu as dezenas de nãos e as centenas de coisas que deram errado antes disso, mesmo com muito preparo e esforço.
“Depois de anos de silêncio, parece que a viagem mudou a visão de muitas pessoas sobre mim. Parece que agora me elenco mais atenção, sou mais importância ao que escrevo. Mas essa viagem é só uma pequena parte do longo caminho que percorri até aqui.
Esses que assistem pela primeira vez ao nosso voo solo, nos veem saltar do penhasco de asas abertas, que aplaudem nossas piruetas no ar, que dizem que nascemos para isso, que o talento já estava no sangue, que o vento sempre esteve ao nosso favor…Eles jamais saberão.
Quantos nãos fantasiados de sim nos desencorajaram, quantas pessoas nos deixaram na mão, quantos desvios sofreu nossa rota. Quanta energia, quanto tempo, quantos recursos investidos em vão? Quantas semanas passamos à espera de entregas que não chegaram e nunca chegarão?
Esses que assistem pela primeira vez ao nosso voo solo, acham que lutamos contra a distância, contra o ar, contra o mar. Eles jamais entenderão que o grande desafio foi enfim, desatracar.”
Enquanto você não tiver o fruto em mãos, só sujeira e tentativas falhas, pode ter certeza que o que não vai faltar é gente querendo te desmotivar. Nem todos vão fazer por pura maldade, só vão passar adiante aquilo que eles mesmos sentem: medo e vergonha de ser visto tentando. Eles não entendem algo fundamental.
Falhar é um privilégio de quem tentou, é o luxo de quem faz. Mãos limpas não chegam até aqui porque desistiram antes. Você pode ainda não ter chegado lá, mas já está muito mais a frente de quem nem começou. Já é mais de meio caminho andado. A verdade é que quanto mais falhas você acumular, mais perto vai estar de conseguir.
Isso, é claro, não significa que vai doer menos. Que você não vai ficar desapontado, se perguntando o que errou e o que poderia fazer diferente. Todo processo exige paciência e aceitação, ainda mais quando sabemos que não partimos todos do mesmo lugar e vemos diariamente pessoas conseguir com rapidez milagrosa, muitas vezes usando de meios pouco éticos, enganando ou puxando tapete de outras pessoas.
Meu pai sempre me ensinou desde pequena que o que vem rápido, vai rápido. Seja dinheiro, influência ou o que for, se você não constrói uma base sólida, não tem como sustentar uma vida em cima disso. Cedo ou tarde, a maré sobe e o castelo de areia se desfaz. Se você quer construir algo que dure, é preciso lidar com todas as suas falhas.
Isso é mais complexo quando queremos algo específico desesperadamente, podemos nos frustrar mais quando não acontece do jeito que esperamos. Tem coisas que estão além do nosso controle. Talvez não fosse o momento certo ou aquilo em específico não aconteceu para que outra coisa melhor acontecesse no lugar. Aceitar não significa desistir, mas mudar a rota. A vida não é aquilo que a gente planeja.
Isso não significa que seja uma vida ruim, muito pelo contrário. As melhores coisas que aconteceram na minha vida não foram planejadas. Por isso, acredito piamente que o que é verdadeiramente seu, sempre vai te achar de um jeito ou de outro. Mas é preciso encontra-lo no meio do caminho.
Temos que aprender a lidar com todos os nãos, a acreditar em nós mesmo que ninguém mais acredite, a levantar e tentar de novo, a construir janelas onde encontrar portas trancadas, a encontrar outro jeito. Ou, como dizem os meninos do bairro onde cresci, a dar seus pulos.
Se falhar é privilégio de quem tenta, conseguir é medalha de quem não desiste.
Isso não é pra dizer que não tenho mais nenhum medo, mas que na muitas vezes ele é um indicador do caminho ainda não explorado, do lugar onde podemos crescer. Ele pode virar seu companheiro sem ser um ditador de todas as ações da sua vida.
Tenho orgulho de ter sujado minhas mãos porque não foi fácil, e vou continuar sujando-as. Quero continuar a aumentar minha coleção de falhas, chegar em lugares que nunca nem imaginei. Se hoje tenho mais motivos para chorar lágrimas de alegria do que de tristeza é graças a cada falha minha que me levou até aqui.
Quem aprende a lidar com suas falhas com graça e a continuar, já venceu.
Até a próxima segunda ;)