Existe um sentimento que sempre esteve presente na minha vida, mesmo antes de eu poder nomeá-lo. Uma espécie de sussurro que podia sentir nos ossos, um reconhecimento de algo que já existia há milênios antes que eu nascesse.
O que é ser humano?
Atualmente, a maioria das respostas para essa pergunta parece ter vindo da definição masculina do que é ser um homem ou de uma montagem cinematográfica hollywoodiana com astronautas flutuando em gravidade zero, às vezes dos dois combinados. Me parece uma definição bem pobre.
Como nosso imortal Sebastião Salgado, não acredito na ideia tão comercializada da racionalidade humana. Não somos racionais, nem nunca fomos. As mulheres que, em geral foram as que mais pagaram o preço da ganância, da guerra e outros males criados pelo homem, assim como tudo que vive no planeta, podem atestar isso também.
(elefantes dormindo juntos em Tamil Nadu, Índia).
Se me perguntassem o que é ser gente quando era criança, teria a resposta pronta na ponta da língua sem ver cor, credo, língua ou fronteira. Gente come, bebe, ri, desenha, gente ama. Simples e puro como um dia sem nuvens. Ainda não tinha descoberto que gente sangra, nem que não existe eufemismo na expressão “rios de sangue”.
Confesso porém, com certa tristeza, que as crianças realmente tem algo que nós adultos perdemos no meio do caminho, pois já não sinto tal coisa com a frequência e intensidade de antes. Apesar de ainda acreditar nas mesmas coisas, meu coração embruteceu um tanto. Não acho que essa perda desse sentido seja natural, muito pelo contrário.
É provável que a culpa seja a exposição diária à extensa lista de horrores inomináveis que fomos (e somos) capazes de cometer contra nossos semelhantes. Essa dessensibilização da modernidade é programada, fruto frequente da desumanização e relativização da violência. Alguém sempre ganha com tudo isso, geralmente muito dinheiro e poder.
Mas sei de uma coisa que minha versão mais nova não sabia: Além da consciência da responsabilidade pessoal e coletiva de estudar sobre em uma era onde a verdade é muitas vezes ignorada para comprovar seus próprios ideais e preconceitos, de não desviar o olhar para nosso conforto sabendo que existem aqueles que não tem essa escolha, cada dia mais sustento minhas ações e escolhas em cima disso tudo.
Não digo isso para me colocar como exemplo de moralidade, mas para dizer que quanto mais cresço, mais percebo quão sagradas realmente são certos princípios básicos, como não podem ser comprados ou coagidos, mas podem custar bem caro porque não se vender no mundo de hoje é visto como um ato de rebeldia.
Quando penso no que é ser humano, penso em um sopro. No sopro bíblico e naquele do ditado “a vida é um sopro” usado pra mostrar quão finitos somos. Penso em um pequeno milagre biológico e (r)evolucionário indo contra todas as probabilidades. Em como toda perda nunca é isolada, todos perdemos juntos.
Só que também é mais simples que isso e menos poético. Mais brutal e muito delicado ao mesmo tempo. Mas prefiro uma realidade honesta e brutal do que uma mentira brilhante.
Penso que sou igual a ele, sentado em uma tenda no escuro, esperando o nascer do sol e o fim da catástrofe. Esperamos juntos, desconhecidos, sem trocar uma palavra. Não há palavras em língua conhecida que possa remediar isso tudo. Ao invés disso, trocamos momentos congelados no tempo como pretexto para continuar. Não sou mais digna de viver do que ele.
O mesmo vermelho escuro, viscoso e brilhante correndo líquido e quente nas nossas veias, formigando nos nossos braços, movendo cada ínfima respiração. Formando cada abraço que já compartilhei na vida. Assombrando cada pesadelo.
Cheios de falhas, de medos e de orgulho. De perdas. De fé. De anseios.
Somos parte de uma espécie estranha movida pelo anseio constante pelas estrelas, por algo separado de nós, por uma casa não geográfica, uns pelos outros de forma tão absoluta e obsessiva que não conseguimos ver mais nada. Essa é nossa beleza e nossa tragédia. Ser humano é ansiar.
Particularmente, me agrada a definição filosófica que diz que ser humano é ser capaz de ser uma unidade e uma totalidade ao mesmo tempo. Ser humano envolve necessariamente a capacidade de se ver no outro como em um espelho por mais diferentes e complexos que somos.
É assim que continuamos humanos apesar de tudo, olhando uns para os outros.
(foto que tirei muito tempo atrás do amanhecer no equinócio de inverno em um balão)
Sumi por uma semana, mas continuo viva. Tenho que fazer a lente do meu óculos. Tenho que gravar aquele vídeo pro youtube. Tenho que ansiar menos, ou não.
Se você é novo por aqui, temos texto novo mais ou menos toda segunda uma vez por semana. Obrigado por me ler e sentar pra conversar.
Até a próxima!
Quanto mais velha eu fico, menos eu sei responder perguntas simples como essa.