James Baldwin
O futuro não parece mais tão brilhante como parecia há algumas gerações atrás. Esse sentimento parece se intensificar a cada dia, a cada manchete sensacionalista, a cada injustiça no mundo…e com ele cresce a certeza de que talvez não tenha jeito, de que a nossa bagunça talvez seja irreversível.
Quanto mais tentamos, pior parece que fica. Uma árvore é plantada, duas mil são derrubadas para virar pasto. Um direito é conquistado, cinco são retirados. Uma criança nasce, centenas são mortas em único ataque. Vivemos tempos sombrios, é com razão que sentimos tanto desespero.
Nesse ritmo, pra que tentar? Não tem sentido, certo? Não somos fortes o bastante, rápidos o bastante, influentes ou poderosos. Somos só humanos. O que posso eu com meu copo de café contra tudo de errado que há no mundo, ainda mais quando todas são financiadas por pessoas muito poderosas que estão dispostas a fazer de tudo por dinheiro?
É fácil esquecer que tudo aquilo que parece irreversível, imutável ou imortal é criação nossa, meros mortais, e que, por consequência e natureza, é na verdade o oposto disso tudo. Se somos feitos do pó da terra e para ela retornaremos, então também é tudo o que inventamos. Para o bem ou para o mal, os únicos que podem mudar isso somos nós.
Durante sua aula How does change happen? como professora da Universidade de California, Angela Davis conta como sua mãe lhe explicou a segregação racial quando ela tinha 3 anos de idade: Isso não é como as coisas deveriam ser. Pode ser como elas são agora, mas elas não deveriam ser assim. E elas não vão ser assim pra sempre.
“Vivemos no capitalismo. Seu poder parece inescapável. Assim também parecia o divino direito dos reis. Qualquer poder humano pode ser resistido e mudado por seres humanos.”
- Ursula K. LeGuin
Existe um ingrediente que está presente no discurso de todos os pensadores e pessoas que ousaram desafiar aquilo que parecia escrito em pedra - Angela Davis, Malcom X, Paulo Freire, Edward Said, a lista é longa. Afinal, a esperança é mesmo a última que morre.
Não é atoa que fazem de tudo para eliminar sua presença no coração e mente de todas aqueles que desejam controlar e subjugar. A última coisa que um carrasco quer é que o prisioneiro tenha esperança. Enquanto ainda houver esperança no coração das pessoas, a luta ainda não acabou. Apesar de muito subestimada, ela é a mais poderosa das armas, o força motora que nos empurra para além do que pensávamos ser possível. O começo e o fim de tudo.
Angela também destaca a importância da capacidade de imaginação das pessoas em períodos como a segregação racial e a escravidão, e como ela ainda é importante hoje para imaginar um mundo sem xenofobia e as cercas que foram criadas para nos fazer pensar que as pessoas do Sul (global e físico) são o inimigo. Mas não é suficiente só imaginar um futuro diferente, é preciso agir coletivamente.
‘‘Num país como o Brasil, manter a esperança viva é em si um ato revolucionário.’’
- Paulo Freire
Não só é algo revolucionário, mas eu diria até que um dever moral. Nos acostumamos a nos afundar nos próprios lamentos de como o mundo anda um lugar horrível. O desespero faz parte do processo, mostra que você se importa, mas não pode ser o ponto final da história. É um degrau no caminho, não um buraco para se afundar e evitar todo o resto.
De que adianta se importar mas não o suficiente para sequer tentar imaginar um futuro melhor do que o nosso presente?
Isso é verdade principalmente na geração Z, falo do meu lugar de fala, que parece ter se esquecido que os adultos da vez somos nós. A responsabilidade já é também nossa, não somos mais crianças e somos nós que vamos deixar o mundo para as crianças de hoje. O que você pretende dizer às gerações mais novas? “Foi mal, era mais fácil desistir, mas boa sorte com isso!”
Você pode até achar que não, mas elas já estão olhando pra gente com a mesma expectativa que nós olhávamos para os millenials, mal podendo esperar pela vez delas de serem adultos. Eles vão herdar o que nós deixarmos.
Não só as crianças, mas todas as pessoas ao seu redor. Aceitar a desesperança como única realidade possível é desistir da nossa família, dos nossos amigos, de nós mesmos, de toda a nossa comunidade e rede de apoio. Dizer que não vale a pena, que não têm futuro.
"Não posso me dar ao luxo de me desesperar. Não posso contar ao meu sobrinho, à minha sobrinha. Não se pode dizer às crianças que não há esperança".
- James Baldwin
Acima de tudo, a desesperança é um luxo que nem todos podem ter. Existem pessoas em situações realmente desesperadoras, em que a esperança é a única coisa que elas têm e se agarram com todas as forças. Às vezes esquecemos, mesmos com as dificuldades que temos, o quão privilegiados somos. Privilegiados o suficiente para se lamentar de barriga cheia e reclamar de como gostariam que alguém parasse a máquina de moer gente, quando esse alguém somos nós.
Num mundo tão conectado que vivemos, você realmente acha que essas pessoas não nos veem? Que elas não buscam em nós esperança por algo melhor? O que acha que pensam quando olham para nós largando a toalha no conforto de nossas casas enquanto esperança e fé são tudo o que elas têm, o que as mantém de pé e seguindo em frente?
Desesperança é aceitar tudo como está, porque é triste mas ao menos estamos confortáveis. Podemos simplesmente escolher um dos variados meios de nos distrair nos nossos celulares e esquecer todo o resto enquanto ainda não nos afeta.
“No que diz respeito à crueldade e à injustiça, a desesperança é submissão, o que acredito ser imoral.”
- Edward Said
Tolo é aquele que acredita que a esperança é fruto da inocência e falta de experiência. Esperança é uma escolha diária, é exercício posto em prática, uma planta regada todos os dias que brota da alma já calejada. Ela vêm acompanhada da sabedoria e paciência das longas batalhas que passamos e também das que vamos passar, mas também de comemorar as nossas vitórias. Por mais que nos pareçam pequenas no grande esquema das coisas, elas não são. Temos que nos agarrar a elas porque elas são nossas acima de tudo, nosso legado no mundo.
A esperança não vêm de mim, vêm de nós e por nós.
O oposto da esperança é o individualismo.
Desespero é combustível de mudança.
Esperança é ter consciência do nosso tempo e ter fé no amanhã, sonhar além dos limites da cerca de arame farpado e construir um mundo onde o sonho é realidade. É força e resiliência, é o que nos faz humanos apesar de todos nossos defeitos, algo tão necessário de relembrar em tempos onde o digital parece querer se alimentar de nós.
O brasileiro sempre foi feito de esperança. Espero que não americanizem nosso sofrimento também. Então sorria, mesmo que eles não entendam o motivo. Isso não é o fim, é só o começo.
Nós vamos sorrir. Sorriam!
Quero aproveitar esse final pra agradecer meus 10 inscritos da newsletter. Nunca imaginei que 10 pessoas gostariam de ler o que escrevo, mas vocês são incríveis - espero que vocês estejam tendo uma semana ótima e que nunca falte te esperança.
Até segunda que vem :)
Definitivamente houve uma grande mudança nesse sentido. Acho que o que precisamos agora é recuperar a esperança, não de um lugar inocência mas de um lugar que sabemos a luta e o trabalho que exige construir algo melhor do que temos hoje, que é possível e é nosso dever.
Muito obrigada por ler e comentar ♥️
Eu fui criança nos anos 2000 e era incrível como todos tínhamos esperança. Todo mundo acreditava que o Brasil seria uma potência. O futuro era promissor e isso já era um fato para todos nós. Tivemos muitas crises políticas, mas não nos abalávamos. E não era um pensamento individual, era coletivo. Dava para ver nos rostos aquela sensação de “vamos conseguir”. Eu não sei dizer onde exatamente perdemos esse brilho, mas é nítido que perdemos. Não sei o que nem como deu errado, mas o futuro melhor não veio. Desde então não posso deixar de comparar esses dois períodos (anos 2000 e agora)… Seu texto me fez lembrar esse curto período na história do nosso país, que infelizmente se foi.
Obrigada pelo texto ♥️